domingo, 15 de janeiro de 2012

Carta de despedida de um garoto doente.

Houve um tempo em que sentia falta de casa; sentia falta de ficar na cama até mais tarde, assistir a um desenho na TV enquanto mamãe insistia para que eu comesse algumas frutas, espalhar meus brinquedos na varanda no final da tarde e ter papai brincando comigo antes do jantar. Aquilo era tão comum, mas eu me sentia feliz.

Foi quando vieram os primeiros sintomas; uma sensação de cansaço inexplicável que quando vinha me tirava até mesmo a vontade de fazer as coisas que eu gostava, de comer as coisas que eu mais gostava. Logo depois vieram as dores, ainda fracas e inconstantes, e teve início a corrida por clínicas e hospitais.

Depois de um tempo de internação comecei a sentir falta de outras coisas; sentia falta da minha rotina escolar, sentia falta dos coleguinhas e nossos jogos no intervalo, dos gritos das meninas quando a assustávamos, sentia falta até mesmo das broncas da professora  das tarefas longas que ela nos dava. Sentia falta de ser uma criança normal.

Começaram então as pesquisas mais profundas, os exames mais sofisticados e mais dolorosos também; eu quase nunca tinha disposição para comer, caminhava com muito esforço, me sentia desanimado e chateado, a única coisa que queria era que tudo aquilo acabasse, que eu abrisse os olhos e descobrisse que tudo não passava de um sonho ruim.

Por fim, me veio uma maturidade de idéias por demais adiantadas em relação a minha idade e comecei a pensar em todas as coisas que eu não iria ter; de certa forma eu sentia falta das baladas que não freqüentara, das atividades acadêmicas que não realizara, da família que eu não tivera, da vida que me foi tirada antes mesmo de ser vivida.

O diagnóstico ainda está longe de ser definitivo, mas, os sintomas só pioram; a dor que sinto é tão intensa que por vezes chego a perder a consciência; no entanto, quando analiso a situação já me sinto conformada, já não sinto mais falta das minhas atividades anteriores e nem tristeza pelas coisas que não poderei ter.

Creio que cheguei ao momento final, ao tempo de despedidas; e aos que ficam peço que não sintam pena de mim e nem se sintam injustiçados ou raivosos com os que não puderam me ajudar. Eu já estou em paz.


Bitokas da Queen.

Um comentário:

  1. Houve um tempo em que tudo que era mais importante pra mim era meu aniversário, era que as pessoas se lembrassem dele. Um dia em meu ano escolar no 2° colegial eu planejei uma mega festa em casa, havia sido a primeira vez que minha tia deixou eu fazer uma festa que pudesse chamar tanta gente... Estava eufórica e chamei toda a minha classe... Sabe quantos foram... NINGUÉM!! quando foi na segunda feira cada pessoa que entrava eu derramava um rio de lágrimas, chorei e muito, pois ninguém imaginava o quanto era importante aquilo pra mim, ver todos lá, me parabenizando. Ninguém me cumprimentou ou se importou com minhas lágrimas e minha tristeza, mas um anjinho chamada Nalva veio até mim e disse: "QUERIA EU PODER CHORAR POR UMA FESTA QUE MEU AMIGOS (OU QUE CONSIDERAVA) NÃO VEIO NICE A MINHA FESTA). Não me disse mais nada e foi embora...
    Não liguei para o que ela falou, a minha dor parecia ser mais forte, mas eu diria o meu EGOISMO FOI MAIS FORTE. Um mês depois toda a classe foi visitar essa moça na casa dela, seu estado estava deplorável, magra e raquitica... Mas ainda não havia caído a ficha em mim. Cinco meses depois ela veio a falecer com apenas 22anos de idade.
    Ela chorava porque estava morrendo, por que já havia perdido um rim e não era mais possível fazer um transplante ainda que havia doador, o outro rim dela já estava praticamente acabado, não daria tempo, ela não resistiria, e eu chorando por que coleguinhas de escola não foram a na minha festa.

    ResponderExcluir